Influências Hebraicas no Ritual do REAA: Um Exame Aprofundado

Inspirado nos escritos do  Ir.'. Rabino Dr Raymond Apple, Ex-Past Grand Master da Grande Loja Unida de New South Wales, Austrália.

Por Rui Samarcos Lora

Introdução

Os elaboradores do ritual maçônico, especialmente no Rito Escocês Antigo e Aceito, incorporaram diversos termos hebraicos, muitos dos quais frequentemente adaptados ou distorcidos ao longo do tempo. Apesar disso, geralmente é possível identificar a palavra original e o seu significado dentro da tradição judaica. Este artigo busca expandir essa análise, incorporando conceitos como Nekam (vingança), Haredim (como supervisores), e a questão da expressão "Hu Ze" para referir-se a Deus, sempre com base em autores maçônicos de renome.

Palavras Hebraicas no Ritual Maçônico

Conforme observado pelo Rabbi Dr. Raymond Apple, a relação do REAA com o hebraico é fundamental. Ele afirma que o movimento maçônico é baseado largamente em palavras, eventos e personalidades bíblicas, e que sua ênfase geral está na ética, na amizade e nas boas obras . A tabela abaixo ilustra algumas dessas palavras:

Termo Maçônico Provável Original Hebraico Significado / Contexto
Ahiman Rezon Achi me-ratzon "Meu irmão do desejo", um irmão escolhido .
Boaz Bo'az Personagem bíblico, uma das colunas do Templo de Salomão .
Jachin Yachin Personagem bíblico, a outra coluna do Templo, significa "Ele estabelecerá" .
Urim e Thummim Urim e Thummim "Luzes e Perfeições" . Objetos de oráculo no peitoral do Sumo Sacerdote para discernir a vontade Divina .
Menatschin M'natz'chim Supervisores da construção (Bíblico: II Crônicas 2:1,17) .

Nekam/Nemaka: O Conceito de Vingança

A palavra hebraica Nekam (נקם) carrega o significado de "vingança". Na tradição maçônica, este conceito pode aparecer adaptado em certos graus filosóficos, possivelmente como "Nemaka", representando não uma vingança pessoal e descontrolada, mas um profundo anseio por justiça e equilíbrio cósmico. É crucial diferenciar este conceito simbólico do grupo histórico de sobreviventes do Holocausto conhecido como Nakam, que buscou vingança física em larga escala, como documentado pela historiadora Dina Porat . No contexto maçônico, o termo muito provavelmente alude à justiça divina e à retidão moral.

Haredim e Heredom: Os Supervisores do Templo

O termo Haredim (חרדים) é usado no hebraico moderno para se referir aos judeus ultraortodoxos, e deriva da raiz "H-R-D" que significa "tremor", especificamente um tremor de reverência pela palavra de Deus, como encontrado em Isaías 66:5 . No contexto da construção do Templo de Salomão, a supervisão era exercida por homens designados, como descrito em II Crônicas 2:17 e 34:12-13, onde o rei Salomão ou os supervisores do Templo designavam "oficiais" (Menatschim) para dirigir a obra .

Na ritualística maçônica, o termo Heredom aparece como um lugar sagrado e simbólico, especialmente no Rito Escocês. Embora as conexões etimológicas diretas sejam complexas, é plausível que os formuladores do ritual tenham se inspirado no conceito de Haredim – aqueles que supervisionam com tremenda reverência – para criar o termo Heredom, simbolizando uma espécie de "Montanha Sagrada" onde os trabalhos são conduzidos com a máxima solenidade e sob a supervisão de princípios elevados.

A Questão de "Hu Ze" e a Pronúncia das Palavras Sagradas

Conforme destacado pelo Ir.'. Rabbi Apple, os framers do ritual frequentemente distorciam as palavras hebraicas, e as pronúncias "H" e "KH", que são consoantes separadas em hebraico, geralmente são unificadas no "CH" maçônico (como no escocês "loch") . Se a esmagadora maioria das palavras de passe e sagradas no REAA são em hebraico, como afirmou o autor José Castellani, surge a questão: por que não a expressão "Hu Ze" (הוּא זֶה)?

Em hebraico, "Hu Ze" significa literalmente "Ele é Este" e tem um uso claro e significativo na Bíblia para se referir a Deus, especialmente em contextos de revelação e identificação divina (por exemplo, em Êxodo 3:14, na declaração "Eu Sou o que Sou"). A ausência desta expressão específica nos rituais, enquanto tantos outros termos hebraicos menos comuns estão presentes, é notável. Pode-se especular que isso se deva a uma preferência pelos Nomes Divinos mais tradicionais e explícitos (como Yahweh, El Shaddai, Elohim) ou a uma adaptação fonética que acabou por privilegiar outros termos considerados mais adequados ao simbolismo da construção.

A Profunda Influência da Cabala: Pike e Mackey

É fundamental citar, como você solicitou, que tanto Albert Pike (em sua obra magna "Morals and Dogma") quanto Albert Mackey (em seus diversos escritos) mencionam explicitamente a presença e a profunda influência da Cabala no REAA. Eles argumentam que a Cabala, como um sistema de misticismo e interpretação simbólica judaica, forneceu um rico vocabulário e uma estrutura conceitual que ressoava com os objetivos filosóficos da Maçonaria.

Isso, contudo, não significa dizer que o REAA foi feito a partir da Cabala. A Maçonaria é um sistema singular com suas próprias estruturas e fins. O que os autores corroboram é que há uma forte influência cabalística, que é repleta em menções claras não apenas nas instruções do simbolismo do primeiro grau, mas também nos graus filosóficos subsequentes. Essa influência é vista na interpretação dos números, no significado místico das letras hebraicas e na busca por iluminação espiritual, temas que são centrais tanto na Cabala quanto no caminho de aperfeiçoamento maçônico.

Conclusão

A presença maciça de termos hebraicos, desde "Jachin" e "Boaz" até conceitos mais complexos como os representados por "Nekam" e "Haredim/Heredom", forma a espinha dorsal linguística e simbólica de grande parte do REAA. A omissão de "Hu Ze" permanece um ponto curioso, mas não diminui o fato inegável da dívida do ritual para com a língua e as tradições hebraicas. Como demonstrado pelas obras de Albert Pike e Albert Mackey, essa influência é ainda enriquecida e aprofundada pela sabedoria da Cabala, criando um sistema complexo e multifacetado que continua a inspirar o estudo e a reflexão dos maçons em todo o mundo.