A Indelével Presença do Hebraico no Rito Escocês Antigo e Aceito
Por Rui Samarcos Lora (Publicado e extraído da Revista de Ciência e Maçonaria)

Introdução
Neste ensaio é apresentada a utilização
do idioma hebraico pelo Rito Escocês Antigo e
Aceito (REAA), sua aplicação e transliteração
equivocada quanto algumas palavras e a cabal
necessidade de utilizá-lo de forma correta, a fim
de dar sentido às palavras e significado no uso,
fortalecendo o simbolismo e a essência do grau
e do rito. No primeiro momento, é demonstrado
um breve histórico do hebraico, destacando sua
ascensão e queda como idioma no Oriente Médio até seu esplendor com a formação do Estado
de Israel. Posteriormente, faz-se uma comparação com o aramaico e, subseqüentemente, com
o surgimento dos sinais massoréticos. Por fim,
apresenta-se breve resumo sobre o surgimento
do hebraico no rito e atual uso de algumas palavras, bem como seus significados, demonstrando
a necessidade de se empregar a forma escorreita
de utilização dos termos hebraicos do REAA.
Hebraico: um breve histórico
Acredita-se que a palavra "hebraico" tenha
sua origem remota no ancestral israelita Éber,
descendente dos patriarcas bíblicos Noé e Sem
(GOROVITS; FRIDLIN, 2006). Na tradição judaica,
Éber se recusou a ajudar seu povo na construção
da Torre de Babel, então sua língua/idioma não
foi confundida como a de todos os outros povos.
Ele e sua família mantiveram o idioma original da
época e por esta razão o idioma levou o nome
de hebraico, uma alusão ao seu nome, Éber
(Heber). De toda forma, há outras posições religiosas diferentes quanto a esta questão, mas para
o estudo ora em apreço, manteremos essa versão dos fatos, uma vez que o Rito não só coaduna como está embasado na tradição judaicocristã.
Ademais da palavra "hebraico", cabe citar
outra palavra derivada do mesmo nome que é
"hebreu", referência ao povo que tem o hebraico
como idioma. Alguns acadêmicos afirmam que
os hebreus também receberam este nome por
conta de seu ancestral remoto, ou seja, Éber. Outros já preferem utilizar o significado do nome,
isto é, "aquele que atravessa", fazendo referência
à raiz e possível tradução do nome, isto é,
"aquele que passa", "atravessa para o outro lado", característica marcante daquele povo durante a época migratória na regiãoe (1) .
Ainda utilizando das fontes e relatos bíblicos, podemos afirmar que o hebraico é um idioma oriental pertencente ao tronco/família semítica de línguas. Sobre este tronco, devemos dizer
que a palavra "semita" também tem sua origem
atribuída a um personagem bíblico, neste caso,
Sem, isto é, como já visto, um dos filhos de Noé,
ancestral dos assírios e de muitos outros povos
falantes de idiomas semelhantes provenientes da
região do Crescente Fértil. Por esta razão e muitas outras, o hebraico é considerado Língua Sagrada pelo povo judeu, ou, em hebraico transliterado, Lashon HaKodesh, já que os próprios judeus acreditam ter sido a língua escolhida para
transmitir a mensagem de Deus à humanidade.
Dito isto, cabe destacar que, passado os
milhares de anos desde o estabelecimento do
hebraico, pode-se afirmar que o mesmo continua
vivo e presente não só como idioma oficial do
Estado de Israel, mas, também, como língua litúrgica para toda a comunidade judaica no mundo
e, especialmente neste estudo, presente no Rito
Escocês Antigo e Aceito. Por esta razão, considera-se essencial estudar sua inserção nos rituais
maçônicos do referido Rito, bem como seu correto emprego, face a conexão direta do idioma
com a moral filosófica apresentada em cada grau
que permeia o rito mais utilizado pela Maçonaria
brasileira.
Assim, autores renomados dentro da Maçonaria têm escrito a respeito do idioma e sua
presença na Ordem, como é o caso de José Castellani (1993):
(...) a esmagadora maioria das palavras utilizadas na ritualística maçônica é hebraica, no tocante às palavras Sagradas e de Passe, que servem de reconhecimento entre os maçons e para quilatar a perfeição da Loja composta. (A Maçonaria e sua Herança Hebraica, CASTELANI, 1993.) Portanto, nas linhas subsequentes deste artigo, serão abordados alguns pontos chaves para que se possa não só entender o uso do idioma no Rito Escocês Antigo e Aceito, mas, também, para que seja demonstrado como é importante que se use o idioma de forma correta, face aos equívocos correntes que muito tem se perpetuado ao longo dos anos. É exatamente pela falta de pesquisa e estudo a respeito do idioma e de sua utilização no seio da Maçonaria que o entendimento e significado do rito têm sido prejudicados e, até mesmo, alterados, sobremaneira, a verdadeira pronúncia das palavras. O uso correto do idioma e a correta transliteração das palavras empregadas pelo ritual podem abrilhantar e conferir ao rito o verdadeiro objetivo almejado pelos seus criadores, tornando-o solene, alinhado com os princípios maçônicos e devidamente formulado para a construção do edifício social de cada maçom.
Hebraico e Aramaico
Quando se fala a respeito do idioma hebraico, logo vem à mente das pessoas também o
aramaico. Isso tem gerado muita confusão a respeito dos dois idiomas. Muitos confundem o hebraico com o aramaico e vice-versa. Ademais,
poucos realmente se dedicam a conhecer a origem de cada idioma ou saber qual dos dois surgiu primeiro. Por esta razão, antes de se abordar
especificamente o uso das palavras no rito, é importante esclarecer alguns aspectos referentes às
duas línguas, bem como sua utilização e em que
contexto histórico um substituiu o outro. De
igual forma, para entender a diferença e a história dos mencionados idiomas, necessário abordar
aspectos históricos e, quiçá, geográficos relacionados ao Oriente Médio. Só assim será possível
extrair a essência de cada um e pontuar as similaridades e diferenças entre os dois idiomas semíticos da região em apreço.
Do ponto de vista maçônico, este estudo e
pesquisa também se tornam necessários, a fim
de demonstrar que a herança hebraica, como já
citado anteriormente, está indelevelmente presente no Rito Escocês Antigo e Aceito, influenciando mormente o simbolismo e a ritualística de
cada grau. Portanto, não é possível compreender
plenamente o significado e alegoria de cada
"estágio" dentro da Maçonaria sem uma mínima
noção do idioma, do contexto e até mesmo do
significado de cada palavra empregada. Por outro lado, compreender não só a tradução das palavras hebraicas utilizadas no rito, mas, também,
entender o enredo e a forma com que são empregadas, dão ao simbolismo e ao aprendizado
do maçom uma visão completa do ensinamento
filosófico dos trinta e três graus do Rito Escocês
Antigo e Aceito.
Passando para uma análise mais histórica
a respeito da diferença entre hebraico e aramaico e deixando o relato bíblico neste momento,
acadêmicos têm discutido até que ponto o hebraico era uma língua vernácula falada nos tempos antigos, após o exílio dos judeus na Babilônia, quando a língua internacional predominante
na região era o aramaico antigo. Sabe-se que por
volta do século VI a.C., o Império Neo-Babilônico
conquistou o antigo Reino de Judá, destruindo
boa parte de Jerusalém e exilando sua população. Durante a captura babilônica muitos israelitas foram escravizados pelo Império Babilônico e
tiveram que apreender o idioma de seus captores: o aramaico (OSTLER, 2006).
Depois que Ciro, o Grande, Rei da Pérsia,
conquistou a Babilônia, ele libertou os israelitas
do cativeiro. Com o regresso do povo para sua
terra, uma versão local do aramaico passou a ser
falada na região juntamente com o hebraico. Este
idioma passou a ser utilizado como língua comercial e aos poucos foi se misturando a outros
idiomas da região. Assim, aos poucos, o hebraico
foi perdendo espaço para o aramaico. Por volta
do século III d.C., a sociedade utilizava o aramaico como língua oficial e o hebraico ficou restrito ao uso em cerimonias religiosas, liturgia judaica
e canções (SPOLSKY; SHOHAMY, 1999).
De toda forma, há muita discussão entre
os teóricos, linguistas e arqueólogos com relação
ao uso dos idiomas na região, especialmente
com relação à substituição de um pelo outro e a
adoção de outros idiomas. Aliás, não é pretensão
deste artigo colocar um "ponto final" nas teorias
ou discussões sobre a origem e formação dos
dois idiomas. Entretanto, importante notar que
pesquisas recentes demonstram que ambas as
línguas coexistiram, simultaneamente, logo após
o exílio dos israelitas na Babilônia, levando-nos a
acreditar que o hebraico deixou de ser falado por
vota de 200 d.C (BORRÁS, 1999).
Com este cenário, passamos a observar
um "país" com três idiomas, a saber: o hebraico;
então ligado à liturgia, à religião, às origens e
história da época de ouro; o aramaico, que funcionava como a língua internacional que possibilitava o contato com o restante do Oriente Médio;
e, eventualmente, o grego, que era uma segunda
língua internacional para comunicação com o
Império Romano juntamente com o latim. Em
resumo, temos: o grego como língua do governo, o hebraico como língua religiosa, e o aramaico como sendo língua comercial (SPOLKY, 1985).
Com o passar dos anos, especialmente
durante a época do Novo Testamento, o hebraico foi praticamente extinto como língua falada
na região, mas continuou a ser usado como língua litúrgica e cerimonial para o povo judeu até
o seu renascimento no século XIX (2) . Cabe dizer,
ainda, que o hebraico foi utilizado para escrever
o Pentateuco, a Torá, que os judeus religiosos
consideram ter sido escrita na época de Moisés,
cerca de 3.300 anos atrás.
Com relação ao aramaico, cabe mencionar
que este foi o idioma falado por Jesus, o Cristo,
Yeshua, em hebraico, e ainda hoje é a língua materna de algumas pequenas comunidades no
Oriente Médio, especialmente no interior da Síria.
Importante mencionar que o aramaico também serviu como língua para diversos impérios e administrações ao longo dos tempos na referida
região. Também foi idioma utilizado para religião, como foi o caso dos primórdios da religião
cristã, naquela época ainda considerada uma espécie de judaísmo reformado pregado por Jesus
durante suas andanças na Galileia. Com este uso
do aramaico, percebe-se que vários dialetos foram formados a partir do idioma e, como eram
distintos entre si, alguns passaram até a ser considerado um novo idioma (SMART, 2013). A fim
de distinguir de maneira mais clara o uso do idioma, pode-se dizer, ainda, que, no caso do aramaico, o mesmo serviu como língua comercial
durante a época da escritura do Novo Testamento.
Atualmente é um idioma muito pouco falado, correndo risco de ser considerado idioma
morto. Não obstante, ainda podem ser encontrados falantes do idioma no interior da Síria, nos
vilarejos cristãos de Maalula e Yabrud. Isso talvez
esteja associado a relatos de que Jesus tenha se
hospedado por três dias em Yabrud e, também,
em outras aldeias da Mesopotâmia, como, por
exemplo, Tur'Abdin no sul da Turquia, por isso a
influência do idioma até hoje é notada nessas
comunidades (OKA, 2007).
Com o passar dos anos, o aramaico foi
substituído, nos países muçulmanos, pelo árabe,
com exceção de Israel que viu o hebraico renascer no final do século XIX e começo do século
XX. O hebraico é hoje o idioma oficial do Estado
de Israel e falado por mais de dez milhões de
pessoas no mundo inteiro. Com o ressurgimento
do hebraico foram adotados alguns elementos
dos idiomas árabe, ladino, iídiche, e outras línguas que acompanharam a Diáspora Judaica como língua falada pela maioria dos habitantes do
Estado de Israel.
A solução massoreta e o problema maçônico
Sobre o uso errôneo do hebraico, possíveis dificuldades de interpretação e mau emprego das palavras, traduções e transliterações do
idioma no REAA, importante conhecer o surgimento dos sinais massoréticos no hebraico, uma
vez que, sem o prévio conhecimento deles, dificilmente seria possível ler o hebraico de maneira
correta. É por esta razão que muitas palavras do
REAA podem ter mais de uma pronuncia, gerando confusão quanto ao emprego. Assim, na medida em que os referidos sinais foram a solução
para a perpetuidade do hebraico, hoje sem o seu
estudo e conhecimento pode vir a ser um problema para o entendimento das palavras na Maçonaria.
Antes de discutir as dificuldades encontradas pela Maçonaria com relação ao emprego
correto do hebraico, é mister esclarecer que a
escrita hebraica antiga não possuía vogais. A vocalização das palavras era transmitida pela tradição, isto é, de pai para filho, de geração em geração, como os costumes e tradições do povo judeu. Dessa forma, quando uma palavra era escrita ou dita, ela era feita somente com o uso de
consoantes, mas por conta da tradição que era
passada, sabia-se a verdadeira pronúncia da palavra, sem a necessidade do emprego de vogais
e assim funcionou por muitas gerações.
Com o passar do tempo e com a migração
do povo judeu para outras regiões, inclusive com
alteração do idioma, surgiu o receio de que o idioma desaparecesse, assim como a pronúncia
correta das palavras fosse perdida, especialmente
pela mudança do uso do hebraico para o aramaico na região. Isso aconteceu não só com o idioma, como também ocorreu com a própria tradição oral, ou seja, com receio de que toda a tradição oral um dia fosse perdida, resolveu-se escrever a tradução oral, o que foi reunido em vários
volumes chamados de Talmud (3), a fim de que os
comentários e detalhes bíblicos não fossem perdidos e esquecidos pelo povo judeu. No que diz
respeito ao idioma hebraico, as primeiras experiências com o uso de sinais vocálicos foram aplicadas, exatamente, no texto do Talmud.
A comunidade judaica exilada, no século
V, desenvolveu pontos que ficavam acima das
consoantes e estes pontos passaram a ser
"vogais", ao menos davam o som e facilitavam a
leitura do idioma. Com o passar do tempo estes
pontos foram alterados e passaram a vigorar debaixo das consoantes. Ademais, uma série de comentários e anotações passou-se a ser feitas, a
fim de que fosse possível preservar não só o idioma, mas, também sua pronúncia correta. Essas
notas eram chamadas de Massorá e os responsáveis pelas notas passaram a ser chamados de
Massoretas. Com isso, os sinais e acentos ficaram
conhecidos como sinais massoréticos (4). A padronização dos sinais e pontuação criados pelos
massoretas se deu por volta do século X com o
trabalho das famílias ben Asher e ben Naphtali. A
título de esclarecimento, interessante notar que
o texto do Antigo Testamento que consta atualmente em nossas Bíblias é baseado nos textos
massoréticos.
Para a Maçonaria, a importância em se estudar este tópico reside no fato de muitas palavras hebraicas usadas pelo REAA causarem questionamentos, dúvidas e formas diferentes de uso
e aplicação, variando conforme região, país e, até
mesmo, Lojas. Uma das hipóteses que justifica o
mau uso das palavras ou pronúncias equivocadas
de cada uma delas pode estar intimamente associada à falta da utilização dos sinais massoréticos, causando duplicidade de interpretação nas
palavras com relação ao uso de vogais, mesmo
sabendo ser possível ler as palavras sem os sinais. Um exemplo muito comum de divergências
de pronúncia é com relação à palavra Boaz. Em
algumas Lojas a palavra em apreço é utilizada
como Booz. Isto pode acontecer por ausência
dos sinais massoréticos, causando uma versão
paralela, confusão ou uma transliteração errônea
da palavra do hebraico para outro idioma, chegando ao português de forma errada (5).
Outro exemplo muito comum é o próprio
uso do tetragrama sagrado, isto é, o nome de
Deus (Yud-Hey-Vav-Hey). Com a diversidade de
traduções, passou-se a adotar várias formas de
se ler o nome sagrado de Deus, isto é: Yave, Jeová, Yafé, Javé, Jehová, dentre muitas outras. Como se pode perceber, a divergência no nome se
dá basicamente pela alteração das vogais, permanecendo as consoantes as mesmas do nome.
Neste ponto, recorda-se que as letras "y" e "j"
assumem papéis diferentes dependendo do idioma que faz a transliteração, por isso a letra hebraica "yud" torna-se "j" ou "y" na transliteração
do idioma. Assim, entender o uso correto das vogais empregadas pelos massoretas é fundamental para evitar erro de pronuncia ou grafia. No
caso do nome de Deus, acredita-se, ainda, na teoria de que, como ele é impronunciável e religiosamente substituído por outros nomes, pode ser
que propositadamente os massoretas tenham
retirado as vogais, evitando, assim, que o nome
de Deus fosse pronunciado em vão.
O hebraico no REAA
Como visto no tópico anterior, a linguagem simbólica do REAA está repleta de palavras
hebraicas como Boaz, Jachin, Adonai, Yud, BenShorim, Jabulon, dentre muitas outras. Alguns
autores acreditam que estas palavras tenham
surgido por meio de comentários e influência de
leituras do Velho Testamento. Outros afirmam
que ilustres maçons judeus, no ato de criação do
rito, aproveitaram para inserir elementos e palavras comuns de influência hebraica, especialmente por conta da Kabalá (6), muito em voga em ordens como a Maçonaria.
Boa parte destas citações e influência do
idioma e tradição hebraica e até mesmo das palavras empregadas no ritual maçônico estão relacionadas à construção do Templo de Salomão.
Ademais, cabe destacar que um dos maiores símbolos dos templos maçônicos é a presença
física predominante dos pilares/colunas "J" e "B".
Além disso, recorda-se que, como referência e
registro maçônico de documentos e datas, a ordem maçônica se utiliza muitas vezes do calendário lunar/hebraico, empregando não só a data
como os meses hebraicos, muitas vezes, diga-se
de passagem, de forma equivocada.
A fim de evitar especulações a respeito do
tema, importante analisar alguns comentários de
conhecidos estudiosos do assunto para que se
possa tirar algumas conclusões. No que diz respeito à presença do hebraico no REAA, o antigo
e renomado Soberano Grande Comendador, Albert Pike, afirma em sua famosa obra, Moral e
Dogma, o seguinte:
Fed by the biblical roots of early Masonic rituals and encouraged by the wealth of material
to be found in the Scriptures,
the early rituals of the Rite of
Perfection were heavily laden
with biblical stories. Consistente with the theme of religious
tolerance manifested early in
Freemasonry, the majority of
the ritual outlines emphasized
Old Testament stories. As these
rituals wended their way into
the Scottish Rite, this emphasis
was maintained, and Pike dared
not make significant changes in
it. Further, encouraged by the
mystical speculations of the
Kabbalah, both the Pike Ritual
and the lectures in Moral and
Dogma are heavily laden with
Jewish symbolism and folk narratives (Morals and Dogma of
the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry, PIKE,
2011, p. 1003) Isto é, o REAA teria sido criado a partir de
análises e estudo das escrituras sagradas, especialmente influenciado pelo Velho Testamento. De
fato, há uma profunda relação com o contexto
bíblico, principalmente no que diz respeito à
construção do Templo de Salomão, como já dito,
e, também, pela influência e esoterismo presente
na Kabalá. Assim, coube aos doutrinadores e elaboradores do rito dar sentido e aderir diversos
elementos e significados. Por sua vez, o hebraico
não poderia ser deixado de lado e a utilização de
"palavras-chaves" no ritual foi uma forma de
aproximar o ritual com o contexto original do
Livro da Lei. Dessa forma, adotou-se palavras e
símbolos alusivos à tradição judaica e preencheu
-se o ritual com este significado que tanto diz
respeito ao judaísmo.
Ainda sobre o tema, cabe dizer que Pike
era fluente em dezesseis idiomas, inclusive o hebraico, o que pode ter, de alguma forma, contribuído para a utilização de várias palavras. Ele
também foi o responsável por consolidar e unificar o REAA, conforme consta em sua biografia, a
saber:
Mesmo antes de ser eleito Soberano Grande Comendador,
Pike assumiu uma das lideranças intelectuais do Rito Escocês
Antigo e Aceito, ao lado de outro eminente estudioso, Albert
G. Mackey, sendo que este último dedicou uma de suas maiores obras, o Léxico da FrancoMaçonaria, de 1869, a Albert
Pike, em seu prefácio.
Ao unir-se ao Supremo Conselho da Jurisdição Meridional,
Albert Pike encontrou uma situação caótica: os Rituais encontravam-se tão desorganizados que muitas Lojas adotaram
procedimentos ritualísticos
próprios; a estrutura administrativa do Supremo Conselho não possuía qualquer controle
sobre seus membros e os serviços de benemerência inexistiam.
Pike, nesta tarefa hercúlea a
que se propôs, fortaleceu os
ensinamentos do Rito Escocês
Antigo e Aceito, expurgando
todo o sectarismo e adversidade política do conteúdo dos
Rituais, estabelecendo uma rota de desenvolvimento intelectual, o que colocou o Supremo
Conselho da Jurisdição Meridional na posição de mais influente e atuante de todo o mundo. Ele engrandeceu o conteúdo das Instruções aos diversos
Graus com um amplo conhecimento das culturas antigas –
conhecia fluentemente sânscrito, hebraico, grego e latim –
fundamentando e comprovando o que antes era apenas perceptível em nossos Rituais (7). Assim como Pike, outro ilustre membro da
Ordem, Albert Mackey, grande escritor e maçom
de origem alemã, foi um grande estudioso e linguista, também Oficial do Supremo Conselho e
profundo estudioso do simbolismo e tradições
do oriente, como a filosofia judaica, por exemplo,
e, especialmente leitor de obras como o Talmud
e relacionadas à Kabalá, o que só reforça a ideia
de que esta influência poderia ter contribuído de
forma crucial para a inserção e delineamento da
indelével presença do hebraico no REAA (8).
Importante notar que muita especulação e
confusão existem na criação e concepção dos
ritos, especialmente com relação à influência cabalista, como foi citado. De acordo com Cortez
(2009), muitas dessas citações podem ter surgido
por meio de aproveitadores e charlatões que tinham interesses particulares, causando controvérsias no que diz respeito à origem e, até mes mo, às influências que o Rito Escocês sofreu ao
longo dos anos. Uma das figuras que muito se
fala a respeito dessas influências é o controverso
Conde Cagliostro, dando margem a informações
e versões dos fatos que atrapalham uma pesquisa mais séria e voltada para o real uso das palavras hebraicas, comprometendo assim, a interpretação das alegorias e simbolismos, principalmente no que diz respeito ao uso do idioma hebraico no rito.
Há, ainda, alguns estudiosos que afirmam
que o rito teria sido criado por judeus e, por esta
razão, existem tantos elementos judaicos ao rito,
mormente o idioma hebraico em suas diversas
palavras de passe, sagrada e de reconhecimento
da Ordem. Sobre este aspecto, esta vertente está
alinhada com o pensamento de que o judeu
Stephen Morin, um dos fundadores do REAA na
América, teria incorporado elementos judaicos
ao rito durante sua criação. Entretanto, não há
evidência comprovada a este respeito, mas é
provável que outros judeus maçons da época,
como M. M. Hays e Isaac da Costa, por exemplo,
tenham, também, inserido elementos hebraicos
ao rito (CORTEZ, 2009).
A respeito dessas tendências e especulações, uma das possíveis hipóteses no que tange
a influência judaica no rito consiste no fato de
que a Maçonaria, ao ser introduzida na Carolina
do Sul, teria sido levada por um seleto grupo de
judeus e isso pode ter gerado parte dos boatos e
teorias que justificam a influência do hebraico no
REAA. Ainda assim, há controvérsias sobre a veracidade dessa informação (MACKEY, 1879). Isto
porque a Maçonaria teria sido introduzida na Carolina do Sul por volta do ano de 1736 (DE SAUSSURE, 1878). Já o REAA, com seu sistema de trinta
e três graus, parece ter sido instituído somente
em 1786, em Charleston, alguns anos depois. De
toda forma, a atual organização do Supremo
Conselho do REAA não estava concluída até
1801, isto é, mais de cinquenta anos depois. Sendo assim, os judeus que receberam seus graus
diretamente ou indiretamente de Morin nunca
atingiram qualquer grau maior do que o 25º do
Rito de Perfeição (STEVENS, 1899). Dificilmente será possível precisar a forma
com a qual o hebraico foi introduzido no rito,
mas há pontos e tendências que nos ajudam a
interpretar e desenvolver leituras e pesquisas que
apresentam traços mais claros a respeito dessa
influência. Seja por maçons que tinham origem
judaica, sejam por maçons que vislumbravam em
estudos como a Kabalá e a história contida no
Antigo Testamento, o importante neste momento é dar o devido reconhecimento a marcante
presença do hebraico no REAA, assim como seguir com seu estudo e significado para cada etapa do ritual, assegurando o objetivo daqueles
que instituíram o que seria o manual de procedimentos para a conduta e o ensino dos princípios
e moral maçônicos dentro da Ordem.
"O hebraico maçônico"
Neste ponto, a fim de preservar e não
quebrar o sigilo maçônico do ritual, a exemplo
do que José Castellani fez em seus livros, a saber:
"A Maçonaria e sua Herança Hebraica" e "Shemá
Israel", será citada neste item as palavras sem
mencionar o grau e a ocasião em que se usam,
apenas a título de esclarecimento. Assim, inicialmente, pode-se mencionar como o que talvez
seja uma das palavras hebraica que mais se
"visita" no REAA, isto é, o tetragrama sagrado
Yud-Hei-Vav-Hei. A palavra em apreço, impronunciável tanto no hebraico – pelo fato de nem
sempre ser escrita com os sinais massoréticos –
como na Maçonaria, faz parte dos estudos e de
muita discussão no seio do REAA. A este respeito, devemos, ainda, lembrar que alguns rituais
escrevem de maneira errada a transliteração do
referido nome, além de traduzir a letra "yud" como "yod", perpetuando o erro em diversos rituais
brasileiros.
Uma das hipóteses aventadas para o emprego ou uso incorreto do hebraico e sua transliteração e, por sua vez, pronúncia das palavras
hebraicas, é o fato de os rituais não terem sido
originalmente traduzidos diretamente para o
português ou, ainda, ter passado por diversas
versões até chegar à forma que conhecemos hoje. Dessa forma, as palavras hebraicas não sofreram alteração de transliteração para o idioma.
Como bem sabemos, o hebraico se utiliza de outro alfabeto e para aqueles que não dominam a
leitura é utilizada uma transliteração no idioma
pátrio de como se deveria ler a palavra. Assim,
por exemplo, a letra yud, hoje utilizada como
yod, poderia ter sido trazida de ritual americano
onde a pronuncia hebraica correta da letra seria
grafada como yod e lida em inglês, pronunciada
como yud.
Outro exemplo curioso e que gera discussões longas e até mesmo de cunho filosófico é a
palavra Boaz, como já mencionado. Muitos acreditam ser grafada como Booz, entretanto, talvez
por razões e emprego dos sinais massoréticos,
dúvidas possam ter sido criadas quanto à correta
pronúncia da palavra que, buscando na versão
original em hebraico, percebemos que a forma
correta é Boaz.
Ao continuar com a análise, pode-se citar
a curiosa palavra shibolet que por erro de acentuação muitos a pronunciam como shibolé quando, na verdade, o acento é no "o", isto é, shibólet, lembrando que há um "t" no final pronunciado. Esta palavra, que nos concita estudar um
pouco um "fenômeno linguístico" muito interessante, demonstra a peculiaridade da letra hebraica shin, isto é, acrescida de um simples "ponto",
ou seja, um sinal massorético similar ao "pingo
do i", assume a pronúncia sin. Daí temos duas
pronúncias no ritual: shibólet ou sibólet, sendo
explicada a diferença por meio de uma lenda
atribuída ao grau em que ela é utilizada.
Esta peculiaridade da língua também pode ser percebida no uso da palavra "Palestina",
por exemplo. Sem entrar no mérito político ou
religioso, apenas levantando questões relacionadas à curiosidade da língua, sabe-se que a palavra "Palestina" foi empregada pelos romanos para determinar o local onde os filisteus habitavam.
Em 638 d.C, um califa árabe muçulmano tomou a
Palestina das mãos dos bizantinos e a anexou ao
império árabe-muçulmano. Os árabes adotaram
o nome dado pelos romanos, pronunciando-o
como "Falastina", ao invés de "Palestina", pois na língua árabe não há o som de "p". Isto nos leva a
refletir se a lenda atribuída à palavra sibólet também não está relacionada a esse fenômeno linguístico.
Estes são alguns dos inúmeros exemplos
de palavras hebraicas que encontramos no REAA.
Fora o emprego filosófico e moral delas, podese, ainda, atribuir estudos numerológicos por
meio da guemátria, arte milenar de decodificar
letras em números, entretanto, este seria tema
para outro artigo, tendo em vista que envolveria
questões esotéricas e numerológicas a respeito
do simbolismo e decodificação de palavras associando à moral e detalhamento dos graus.
Conclusão
A presença do idioma hebraico no Rito
Escocês Antigo e Aceito é uma realidade. A influência de judeus, estudiosos esotéricos, religiosos, herméticos, dentre muitos outros atores maçons contribuíram sobremaneira para que o idioma fosse inserido em cada grau e lenda do rito,
atribuindo significado, conteúdo e alegoria cabal
para interpretação e entendimento do sistema de
graus criado.
Desafortunadamente, não será possível
atribuir uma única história ou um único autor e
motivo para o uso do hebraico no rito. Como visto neste artigo, especulações, teorias mal explicadas e até mesmo charlatões tentaram ao longo
dos anos explicar a utilização e dar certa autoria
para a criação e significado ao uso do idioma.
Pode-se afirmar, ainda, que será muito difícil
comprovar como e onde surgiu a influência do
idioma hebraico, de onde surgiram e como surgiram as palavras hebraicas dos trinta e três
graus no REAA. Entretanto, a influência do relato
bíblico do Antigo Testamento, em especial no
que diz respeito à construção do Templo de Salomão, é fonte primária para qualquer pesquisa a
respeito do tema.
Não obstante, a importância deste artigo
é a de chamar a atenção para a necessidade de
se estudar e procurar a forma correta, bem como a tradução de cada palavra apresentada pelo
nosso rito. A palavra hebraica de cada grau é
parte essencial para o entendimento completo
do estudo a ser ministrado em cada etapa do
REAA. Não só as palavras, mas, também o simbolismo e alegoria de cada elemento influenciado
pela cultura hebraica. Com o passar do tempo e
com a forma "automática" com que muitas Lojas
têm "atropelado" o ritual, esses pontos podem
passar a cair no esquecimento, deixando de lado
uma das partes mais repletas de significado para
a Ordem. Por esta razão, estudar o idioma, seu
uso e sua influência, é elemento fundamental para se entender o REAA e, por sua vez, a Maçonaria de uma forma concatenada.
Notas
1- GOROVITS, D.; FRIDLIN, J. Bíblia Hebraica. São Paulo: Editora Sefer, 2006. Genesis (Bereshit) 12:4-5.
2- Eliezer Ben-Yehuda (Lujki, 7/1/1858 - 21/12/1922) nascido Eliezer Yitzhak Perlman, foi o linguista que reconstruiu a língua hebraica no século XIX, criando o que conhecemos como o hebraico moderno.
3- Talmud é um livro Sagrado dos judeus, um registro das discussões rabínicas que pertencem à lei, ética, costumes e história do judaísmo. É um texto central para o judaísmo rabínico.
4- Texto massorético. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Texto_massor%C3%A9tico. Acesso em: 27 de Junho de 2014
5- GOROVITS, David e FRIDLIN, Jairo. Bíblia Hebraica. Editora e Livraria Sefer LTDA. São Paulo: 2006. I Reis 21:7. De acordo com a Bíblia Hebraica, traduzida do hebraico para o português, o nome correto é Boaz pg. 342.
6- Kabalá é um esotérico método, disciplina e escola de pensamento que se originou no judaísmo.
7- https://www.editoralandmark.com.br/autor.asp?k=1. Acesso em 23 de junho de 2014.
8- https://freemasonry.bcy.ca/biography/mackey_a/mackey_a.html. Acesso em 23 de junho de 2014.
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