(1927) 🇧🇷 Cisão da Maçonaria no Brasil

Durante histórica sessão, que se realizou em 17 de junho de 1927, em um salão profano (Centro Galego), situado na Rua da Quitanda nº 32, o Irmão Mário Behring (no cargo de Soberano Grande Comendador) desvinculou, do Grande Oriente, o Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceito, asseverando que só o referido Supremo Conselho possuÃa o direito de escolher sua própria administração.
Um tratado que confederava o Supremo Conselho ao Grande Oriente do Brasil ficou ameaçado de ser desfeito; uma crise que se avolumava desde 1921 (com a extinção de acordos com o Rio Grande do Sul e São Paulo, desacordos sobre eleições etc.) culminou na cisão de 1927. Mário Behring retirou-se do Grande Oriente e empenhou-se na fundação das Grandes Lojas.
Em 20 de junho de 1927, durante Sessão do Conselho Geral, Mário Behring não se pronunciou sobre as eleições para Grão-Mestre do Grande Oriente e sim às eleições no Supremo Conselho. Nessa ocasião, ponderaram com prudência os Irmãos Senna Campos e Mattoso Maia e as deliberações foram adiadas para a sessão seguinte. (Na Espanha e no Uruguai, por exemplo, essa observância de separação entre a administração dos Graus Simbólicos e os Graus Superiores do Rito Escocês já estava de acordo com as resoluções da Conferência de Lausanne de 1922. Só o Brasil protelava essa conformação.)
Mas Octávio Kelly não esperou essa outra sessão e no dia seguinte – 21 de junho de 1927 – declarou nulo, pelos Decretos nº 859, o Tratado e todos os atos dos seus antecessores, publicando, seguidamente, os Decretos nºs 860 e 861 de julho de 1927 (Fonte desses Decretos, obra citada de Castellani, O Supremo Conselho no Brasil.):
"DECRETO nº 859: Octavio Kelly, 33: Grão-Mestre Adjunto do Grande Oriente do Brasil, no exercÃcio do Grão-Mestrado; Considerando a necessidade de se reformar a Constituição atual do Grande Oriente do Brasil, demonstrada desde 1921 e que apesar dos trabalhos das Constituintes, iniciados para esse fim, nunca puderam chegar a uma conclusão; Considerando que a deliberação tomada pelo Ilustre Conselho Geral da Ordem em sessão de 7 de fevereiro do corrente ano, para que fosse feita a convocação da Assembleia Geral, para, em 24 de junho corrente, reunir-se em caráter constituinte, colide com a observância da 2ª parte do art. 75 da Constituição; Considerando que, assim, a convocação feita pelo Decreto nº 858, de 23 de fevereiro do corrente ano, incide no vÃcio primário de admitir como base para a discussão um projeto sobre cuja existência e colaboração deixaram de se pronunciar as Lojas filiadas ao Grande Oriente do Brasil; Considerando, finalmente, que, diante da impossibilidade material de tempo para que sejam cumpridas todas as disposições que regulam tão magno assunto, deve ser levado em consideração o maior respeito à s disposições do art. 75 da Constituição adotada pelo Decreto nº 353, de 24 de fevereiro de 1907, Era Vulgar, de que não sejam afetados de vÃcio de origem e, consequentemente, se tornem profÃcuos os trabalhos realizados;
DECRETA: Art. Único. Fica revogado, para todos os efeitos, o Decreto nº 858, de 23 de fevereiro de 1927, Era Vulgar, publicado à pagina 107 do "Boletim" do Grande Oriente do Brasil, nº 2, do mesmo mês. O Poderoso Irmão Grande Secretário-Geral do Grande Oriente do Brasil fica incumbido da publicação e notificação do presente Decreto. Dado e traçado no Gabinete do Grão-Mestrado do Grande Oriente do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, aos 21 dias do 4º mês do ano de 5927, Verdadeira Luz – 21 de junho de 1927, Era Vulgar. (ass.) Octavio Kelly, 33 Grão-Mestre em exercÃcio, Francisco Prado, 18º Grande Secretário Interno do GOB, VirgÃlio Antonino de Carvalho, Grande Chanceler."
"DECRETO nº 860: "Octavio Kelly, 33: Grão-Mestre Adjunto […] DECRETA: Art. Único - Ficam revogados os poderes contidos na letra d) da resolução aprovada na sessão de 22 de dezembro de 1925, e, em consequência, nulos e de nenhum efeito todos os atos da aludida autorização […] 2 de julho de 1927.
"DECRETO nº 861: "Octavio Kelly, 33: Grão-Mestre Adjunto […] DECRETA: Art. Único - Ficam revogados o Decreto nº 850, de 27 de outubro de 1926, Era Vulgar, e, em consequência, anulado o Tratado assinado entre o Grande Oriente do Brasil e o Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceito para os Estados Unidos do Brasil […] 2 de julho de 1927".
Todos esses Decretos, assinou-os Octavio Kelly na qualidade de Grão-Mestre Adjunto no exercÃcio do Grão-Mestrado, pois sua eleição para Grão-Mestre aconteceu mais tarde, em 26 de junho de 1928.
Cumpre ressaltar que em 1927 Mário Behring não estava envolvido em qualquer disputa eleitoral, seja na Maçonaria ou fora dela. Durante a cisão de 1927 – "o ano que ainda não acabou" (palavras do Irmão José Castellani) – (Passados quase quinze anos dessa expressão inteligentemente elaborada por Castellani (O Supremo Conselho no Brasil, p. 179), vemos que o ano de 1927 não está concluÃdo, posto que o movimento de Mário Behring não tem limites no tempo. Hoje somos 27 Grandes Lojas em todo o Brasil (Potências independentes) com mais de 2.700 Lojas em todo o paÃs e mais de 120 mil maçons ativos. Só a Grande Loja Maçônica de Minas Gerais, treze anos após o vaticÃnio de Castellani, cresceu numa média de seis novas Lojas por ano. Realmente o ano de 1927 ainda não acabou (*JMG) - governaram o Grande Oriente do Brasil os Grão-Mestres João Severiano da Fonseca Hermes (1926-1927) e Octávio Kelly (1927-1933).
Diante do acontecido, Mário Behring assumiu o término da confederação havida desde 1864, prevendo também os rumos da República muito antes do advento do modelo instaurado por Getúlio Vargas. Enquanto outros lÃderes da Maçonaria brasileira se batiam para manter os privilégios que aos poucos lhes escapavam das mãos, Behring foi perspicaz o bastante para antever o brusco retraimento que se avizinhava da Maçonaria brasileira.
Revogado o Decreto de 23 de fevereiro de 1927, anulados os atos dele decorrentes das autorizações decorrentes e o Tratado entre o Grande Oriente do Brasil e o Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceito para os Estados Unidos do Brasil, a cisão estava consumada.
Mário Behring contra-atacou com seu famoso ?Manifesto?, declarando a ruptura total com o Grande Oriente do Brasil e retirou-se daquela Potência em companhia de duzentas Lojas Simbólicas, sendo 108 do Rito Escocês. Behring não agiu às escuras: dirigiu uma circular às Lojas Escocesas, concedendo-lhes plena liberdade para permanecerem jurisdicionadas ao Grande Oriente, sob a condição única de adotarem outro Simbolismo de Rito existente no Grande Oriente. Mesmo antes da ruptura, um grupo de maçons trabalhava em vários Estados brasileiros, especialmente na Bahia, onde já estava pronto o projeto para a Grande Loja Symbolica do Estado da Bahia, fundada em 22 de maio de 1927 sob a coordenação de Octaviano de Menezes Bastos (Grau 33 e autor da ?Pequena Enciclopédia Maçônica?).
O sistema de Grandes Lojas introduziu no Brasil o modelo norte-americano: uma Grande Loja para cada Estado da Federação. Desde os primeiros anos de sua fundação, nosso sistema receberia o apoio das Grandes Lojas das Américas inglesa e latina.
Mais práticos, sem ranços polÃticos, os americanos são mais objetivos. [diz João Guilherme Ribeiro] (RIBEIRO. Os fios da meada.) Excelentes relações são a norma entre os Altos Graus, tanto os Supremos Conselhos do Rito Escocês Antigo e Aceito (Jurisdições Sul e Norte) como do Rito de York (CapÃtulos do Real Arco, Conselhos CrÃpticos e Comendas de Cavalaria). Sua fórmula, adotada desde os anos 50, requer, quanto à soberania territorial, que a Grande Loja seja ?uma organização independente e autogovernada, com autoridade maçônica dentro do território de sua jurisdição, seja paÃs, provÃncia, Estado ou outra subdivisão polÃtica; ou então que divida tal jurisdição territorial exclusiva com outra Grande Loja por consentimento mútuo e/ou tratado".
Além da Grande Loja Maçônica de Minas Gerais, as outras seis primeiras Grandes Lojas foram fundadas no mesmo ano de 1927: Grande Loja do Rio de Janeiro (22 de junho), Grande Loja do Amazonas (24 de junho), Grande Loja do Pará (28 de julho), Grande Loja de São Paulo (29 de julho), Grande Loja da ParaÃba (24 de agosto).
A Grande Loja de Minas Gerais foi fundada em 25 de setembro e instalada no dia seguinte, sob o tÃtulo de ?Grande Loja Symbolica de Minas Gerais?.
No ano seguinte, foram criadas a Grande Loja do Rio Grande do Sul e a Grande Loja do Ceará. Todas receberam do Supremo Conselho suas Cartas Constitutivas. Cada Grande Loja tem sua respectiva Constituição, sendo governadas por seus Grão-Mestres como Potências estaduais independentes umas das outras, sem nenhuma ligação de dependência com o Supremo Conselho, mantendo as leis, os rituais e as tradições do Rito, as Constituições de Anderson e demais caracterÃsticas da Maçonaria Universal.
Após a separação foi realizada em Paris, em 1929, a Quarta Conferência Internacional dos Supremos Conselhos do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito (Quatrième Conferénce Internationale des Suprêmes Conseils du 33 Degré du Rite Écossais Ancien Accepté, 1929.), onde compareceu o Supremo Conselho fundado por Francisco Gomes Brandão, representado por Mário Behring. A informação circulava com lentidão naqueles tempos: telegramas, cartas que à s vezes se extraviavam e mensageiros que colocavam as Américas em contato com a Europa por prolongadas viagens de navio. Mesmo assim, três maçons do Grau 33, José Maria Moreira Guimarães, Lourival Jorge Masaredo Souto e Hyppolito Hermes de Vasconcelos foram nomeados por Octávio Kelly para representar o Supremo Conselho ReconstituÃdo do Grande Oriente do Brasil. Mais uma vez a evidente interferência da administração dos Graus Simbólicos nos Altos Graus e vice-versa, pois já ficara estabelecida a soberania de cada Supremo Conselho, apenas um em cada paÃs e livre de quaisquer inferências por parte de Grandes Lojas, Grandes Orientes ou quaisquer corporações maçônicas.
No dia 30 de abril, a comissão assim nomeada por Octávio Kelly não logrou ser recebida pelo encarregado da Assembleia dos Supremos Conselhos, René Raymond, que alegou já estar presente na Conferénce o Supremo Conselho do Brasil representado por Mário Behring. Os três representantes rejeitados enviaram um protesto à Conferénce no dia seguinte. Não obtiveram sucesso, pois pesou contra o Supremo Conselho do Grande Oriente do Brasil o fato de ele não ser soberano – isto é, estava adstrito a uma Potência Simbólica.
Durante a Conferénce ficou decidido que o único Supremo Conselho regular, reconhecido e única autoridade legal e legÃtima para o Rito Escocês Antigo e Aceito no Brasil era aquele fundado por Francisco Gomes Brandão e representado, na ocasião, por Mário Behring. (Hoje denominado "Supremo Conselho do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito da Maçonaria para a República Federativa do Brasil" com sede em Jacarepaguá, Rio de Janeiro.)
No mesmo ano, em 4 de setembro, a Grande Loja Unida da Inglaterra estabeleceu os Basic Principles for Grande Lodge Recognition (PrincÃpios Básicos para o Reconhecimento de Grandes Lojas) que proclamam, em seu parágrafo 5º:
Que a Grande Loja tenha jurisdição sobre as Lojas sob seu controle; isto é, que seja uma organização responsável, independente e autogovernada, com autoridade única sobre os Graus Simbólicos em sua jurisdição e que não esteja sujeita ou dividida em sua autoridade com um Supremo Conselho ou qualquer outra Potência que declare controle ou supervisão sobre esses Graus. (Além disso, a regularidade implica em: 1. Que cada Grande Loja deve ter sido estabelecida legalmente por uma Grande Loja devidamente reconhecida ou por três ou mais Lojas regularmente constituÃdas e ocupar território maçônico geograficamente definido; 2. Ter Carta Constitutiva concedida por uma Potência regular; 3. Que a crença no Grande Arquiteto do Universo e Sua vontade revelada sejam qualificações essenciais para a adesão de maçons em suas fileiras; 4. Que todos os iniciados tomem sua obrigação diante do volume aberto da Lei Sagrada que se vincule à consciência do indivÃduo que está sendo iniciado; 5. Que os membros da Grande Loja e das Lojas a ela jurisdicionadas sejam exclusivamente homens, e que cada Grande Loja não terá relações com quaisquer tipos de Lojas mistas ou organismos que admitam mulheres à adesão; 6. Que as três Grandes Luzes da Maçonaria – o Volume da Lei Sagrada, o Esquadro e o Compasso – sejam sempre exibidos quando a Grande Loja ou suas Lojas estiverem no trabalho maçônico, sendo a principal delas o Volume da Lei Sagrada; 7. Que a discussão de religião e polÃtica dentro da Loja seja estritamente proibida; 8. Que os princÃpios dos antigos landmarks, costumes e usos do ofÃcio sejam estritamente observados.)
1927 e a década "que não vai acabar"
A expressão "1927 não vai acabar" é de José Castellani (1937 — 2004), médico oftalmologista, escritor, jornalista e historiador maçônico brasileiro pertencente aos quadros do GOB.
O movimento de 1927 não foi um fenômeno isolado do contexto que vinha se desenvolvendo na Maçonaria brasileira desde os conflitos entre as alas de José Bonifácio e Gonçalves Ledo.
De 1864 até 1926 o Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceito funcionou confederado ao Grande Oriente do Brasil. Pelas normas deste, a suprema autoridade da Maçonaria no Brasil estava numa só pessoa, ou seja, o maçom eleito Grão-Mestre do Simbolismo era, ispo facto, investido no cargo de Soberano Grande Comendador do Supremo Conselho. Nesse sistema, quase todas as lojas do Grande Oriente do Brasil eram Lojas Capitulares trabalhando, além dos rituais dos Graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre, nos Graus 15 ao 18.

