(1736) 🇬🇧 Discurso de Ramsay

04/10/1736

Andrew Michael Ramsay: O Misterioso Cavaleiro da Maçonaria

A figura de Andrew Michael Ramsay, conhecido em França como Chevalier de Ramsay, é uma das mais enigmáticas e influentes na história da Maçonaria. Apesar de ser frequentemente citado como a inspiração principal para os altos graus cavalheirescos que floresceram na maçonaria francesa a partir dos anos 1740, a sua vida pessoal está envolta em mistério.

Uma Vida de Mistérios e Contradições

As próprias origens de Ramsay são controversas. Durante muito tempo, acreditou-se que era filho de um padeiro, nascido em 1686. No entanto, uma carta recentemente descoberta sugere que nasceu em 1693, filho de um clérigo, e que teria ascendência da nobreza escocesa. Esta última alegação foi oficialmente reconhecida num documento emitido pelo pretendente Jacobita Jaime Francisco Stuart em 1723, mas as circunstâncias convenientes desta certificação (apenas três dias após Ramsay ter sido nomeado Cavaleiro de São Lázaro, uma ordem que exigia provas de nobreza) levantam suspeitas sobre a sua veracidade.

A sua vida foi um turbilhão intelectual e político. Formado em Teologia, viajou pela Europa, converteu-se do Protestantismo ao Catolicismo e tornou-se um discípulo próximo de figuras místicas, como Madame Guyon, cujo movimento quietista (que enfatizava a experiência espiritual interior) influenciou profundamente o seu pensamento. Ramsay foi um Jacobita devoto, servindo lealmente a causa dos Stuart exilados, o que lhe valeu honras e uma pensão do Regente de França. A sua carreira culminou com a sua nomeação como tutor do jovem Príncipe Charles Edward Stuart.

A Carreira Maçónica e o Discurso Fundador

A entrada de Ramsay na Maçonaria é tão misteriosa como o resto da sua vida. É provável que tenha sido iniciado numa loja Jacobita em França, antes de regularizar a sua situação numa loja de Londres em 1730.

A sua contribuição mais duradoura foram os seus dois discursos maçónicos, proferidos em 1736 e 1737. O primeiro, destinado a uma audiência maioritariamente inglesa, centrava-se no simbolismo bíblico e operativo da Maçonaria. O segundo, mais direcionado para os franceses, desenvolveu uma narrativa que viria a ser revolucionária: a ligação da Maçonaria às Cruzadas e às ordens de cavalaria.

Neste discurso, Ramsay propôs que os cruzados, incluindo os Cavaleiros Hospitalários, teriam fundado lojas maçónicas para se reunirem e preservarem os seus ideais. Esta ideia foi o "berço espiritual" dos futuros graus cavalheirescos e templários que cativariam a maçonaria continental. No entanto, o discurso de 1737 nunca foi proferido publicamente, pois o seu protetor, o Cardeal de Fleury, o proibiu. Após este evento, Ramsay afastou-se da atividade maçónica.

O Legado de um Visionário

O pensamento de Ramsay era marcado por um universalismo espiritual profundamente influenciado pelo Quietismo. Ele acreditava numa espiritualidade universal que remontava a Noé e transcendia as religiões organizadas, uma visão que se alinhava com o ideal maçónico de unir homens de diferentes crenças.

A sua vida permanece um quebra-cabeças: um homem de origens duvidosas que ascendeu aos mais altos círculos da aristocracia europeia, um espiritualista místico que deu à Maçonaria uma nova mitologia histórica, e uma figura cuja imagem nem sequer sobreviveu com certeza. Apesar de o seu envolvimento ativo na Maçonaria ter sido curto, as suas ideias cavalheirescas e a sua visão universalista ecoaram durante décadas, moldando permanentemente o rumo da Maçonaria no continente europeu. Andrew Michael Ramsay não era apenas um maçon; era um mito que se tornou realidade.